terça-feira, 17 de julho de 2012

Pobres sem(-)terra

 Estavam caminhando há mais de cinco dias sem sequer ter encontrado abrigo ou alimento. A seca castigava a todos, mas castigava ainda mais aqueles que não tinham - ou por predestinação ou por falta de dedicação, assim lhes era dito - um pedaço de terra para chamar de seu e ali estabelecer moradia fixa e talvez dois ou três gêneros cultiváveis naquele solo rude. Retiravam-se, não sabiam bem para onde, no entanto era preciso. O patrão expulsara-os porque podia, era o dono da terra - uma grande fazenda onde eram criados imensos bois para o corte de peças de carne. Os bois ficariam, mas a família retirava-se.
 O casal ia à frente, levando em algumas sacolas tudo o que possuíam: uma panela torta e enferrujada, onde cozinhavam o que comiam, sempre em pequeníssimas porções, a fim de manter o alimento o máximo que pudessem; uma rede imunda e gasta, furada e remendada incontáveis vezes, que estendiam, quando possível, para o repouso alarmado pelos insetos; e por fim, algumas quinquilharias das quais nunca se desfaziam, como o terço de madeira, já sem alguns (muitos) padre-nossos, lembrança da avó materna. Atrás, uma numerosa prole de seis crianças, não só mais numerosa devido às mortes causadas por fome e doença que diminuíram em três o número de filhos do casal. O mais velho tinha catorze anos e a mais nova, oito meses. Mortos de fome, pareciam - e de fato eram - muito fracos, porém suportavam com uma força inexplicável, aquela que só se manifesta naqueles em que a vontade de viver é ainda maior do que a vontade de nunca ter nascido, os longos dias de peregrinação.
 Não culpavam ninguém por isso. Nem o patrão, nem os bois, nem o padre-nosso. Atribuíam todo aquele sofrimento a si próprios, afinal, não era culpa de ninguém se eles eram uns pobres preguiçosos que não souberam empenhar-se em seu trabalho e acabaram por permanecer pobres sem terra. Não sabiam ler, nem fazer conta. Mas de uma coisa sabiam: se tivessem sido dignos de ter um pedaço de terra, fariam de tudo para que desse frutos, que manteriam as crianças alimentadas. Imaginavam, cada um em seu íntimo, que, assim como eles, todas as famílias teriam o seu pedaço de terra e dele tirariam o que comer e nenhuma delas precisaria retirar-se, pois seriam todas donas de sua terra. O que eles não sabiam é que pobres sem terra como eles nunca conseguiriam um pedaço de terra para si, porque, no final das contas, a força que rege a distribuição destes pedaços, que aliás é muito menor que a predestinação, está incrustada pelos interesses dos patrões, certamente menos numerosos que eles, que criam gordos bois e não se afligem ao expulsá-los da terra que não é - mas deveria ser- sua.

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