sexta-feira, 21 de setembro de 2012

âncora


gosto de sol
cheiro de sal
sopro de mar
maré de ar-
-eia
onda de vento
navio lento
de
má(r)goa

afoga-se
deixa se
levar

afundar

terça-feira, 17 de julho de 2012

Pobres sem(-)terra

 Estavam caminhando há mais de cinco dias sem sequer ter encontrado abrigo ou alimento. A seca castigava a todos, mas castigava ainda mais aqueles que não tinham - ou por predestinação ou por falta de dedicação, assim lhes era dito - um pedaço de terra para chamar de seu e ali estabelecer moradia fixa e talvez dois ou três gêneros cultiváveis naquele solo rude. Retiravam-se, não sabiam bem para onde, no entanto era preciso. O patrão expulsara-os porque podia, era o dono da terra - uma grande fazenda onde eram criados imensos bois para o corte de peças de carne. Os bois ficariam, mas a família retirava-se.
 O casal ia à frente, levando em algumas sacolas tudo o que possuíam: uma panela torta e enferrujada, onde cozinhavam o que comiam, sempre em pequeníssimas porções, a fim de manter o alimento o máximo que pudessem; uma rede imunda e gasta, furada e remendada incontáveis vezes, que estendiam, quando possível, para o repouso alarmado pelos insetos; e por fim, algumas quinquilharias das quais nunca se desfaziam, como o terço de madeira, já sem alguns (muitos) padre-nossos, lembrança da avó materna. Atrás, uma numerosa prole de seis crianças, não só mais numerosa devido às mortes causadas por fome e doença que diminuíram em três o número de filhos do casal. O mais velho tinha catorze anos e a mais nova, oito meses. Mortos de fome, pareciam - e de fato eram - muito fracos, porém suportavam com uma força inexplicável, aquela que só se manifesta naqueles em que a vontade de viver é ainda maior do que a vontade de nunca ter nascido, os longos dias de peregrinação.
 Não culpavam ninguém por isso. Nem o patrão, nem os bois, nem o padre-nosso. Atribuíam todo aquele sofrimento a si próprios, afinal, não era culpa de ninguém se eles eram uns pobres preguiçosos que não souberam empenhar-se em seu trabalho e acabaram por permanecer pobres sem terra. Não sabiam ler, nem fazer conta. Mas de uma coisa sabiam: se tivessem sido dignos de ter um pedaço de terra, fariam de tudo para que desse frutos, que manteriam as crianças alimentadas. Imaginavam, cada um em seu íntimo, que, assim como eles, todas as famílias teriam o seu pedaço de terra e dele tirariam o que comer e nenhuma delas precisaria retirar-se, pois seriam todas donas de sua terra. O que eles não sabiam é que pobres sem terra como eles nunca conseguiriam um pedaço de terra para si, porque, no final das contas, a força que rege a distribuição destes pedaços, que aliás é muito menor que a predestinação, está incrustada pelos interesses dos patrões, certamente menos numerosos que eles, que criam gordos bois e não se afligem ao expulsá-los da terra que não é - mas deveria ser- sua.

quinta-feira, 1 de março de 2012

O leãozinho

Música marca, traça
a memória e acompanha
cada momento, pensamento e presença.
Esta faz-me lembrar das tardes do riso
Interminável

Inexplicável, sem motivo e sem dever
Apenas originado daquilo que disse nunca ter conhecido
E mesmo sem conhecer,
denomino amor

Aqueles que conhecem, respondam por favor
Amar dá vontade de rir? Pois é assim que eu sinto
Rio da besteira, da seriedade
da brincadeira e da maldade
Em sua presença

Pequenezas engrandecem na lembrança
Uma simples dança
Torna-se valsa
A valsa eterna que termina
Um dia, mas não agora

Por enquanto demora
que eu não me importo em ficar

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Caligrafia

"A internet me aproximou do mundo, mas me distanciou da vida" Medianeras

Querida Carta,

Há quanto tempo não nos vemos! Mal lembro a última vez em que expus meus sentimentos, por meio de ti, a alguém de corpo e mente, e coração. Escrevo hoje para lembrar-me da sensação de botar tudo pra fora, de ser compreendido com um silêncio e um afago, embora não sejas capaz de retribuir-me com este último. No entanto, agradeço a disposição em ouvir-me, mesmo que tal fato seja fruto da minha própria vontade. Só queria lembrar o quanto palavras endereçadas a alguém, escritas a punho com amor, raiva ou apenas polidez, podem causar emoções diversas. Acabo de assistir a um filme que me fez pensar sobre como a tecnologia, não sendo a única culpada, banalizou a intensidade dos sentimentos, que são expressos em letras-padrão, sem um pingo-no-i de pessoalidade. As palavras dirigem-se a todos e a qualquer um e mesmo aqueles que têm a quem endereçá-las, não o fazem. O poeta compõe, mas não há uma inspiração concreta. Não conheço sua caligrafia. Eu poderia pensar que pelo menos algumas daquelas palavras são endereçadas a mim. Mas não o faço. Se elas quisessem talvez dizer-me algo, deveriam estar direcionadas a mim, para que pudesse acolhê-las, entendê-las, rejeitá-las. Ouvi-las.
Não conheço sua caligrafia, mas adoraria conhecer.

Com amor,

Destinatário

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Quero-quero

Quero um quero-quero
Quero ser pássaro, pessoa, sentimento
Quero não querer, mas querer sem-querendo
voar.

Pluma, pena, folha
Céu e chão, querer concreto
Querer fugaz e também perene

Porque o que há de mais leve
É saber que se quer, mas não o quê
Saber o que não se quer, único querer

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Tudo novo. De novo.

Não, não foi a virada de ano que a transformou. Foi um longo processo de metamorfose; de larva, frágil e insegura, passou a borboleta; que a tornou tão diferente que talvez nem reconheceria-se se olhasse fotos do passado. Passado este que reluta - não por arrependimento ou frustração, mas por achar tudo o que já foi, tristemente inútil - em guardar. Não é questão de desprezo; ela só sente a necessidade de se livrar, o mais rápido possível, dos vínculos com o finito. Não se sabe de onde tira tal convicção, apenas observa-se que só carrega consigo o mínimo de resquícios do ontem. Uma ideia, uma experiência, uma paisagem... enfim, somente o necessário para não esquecer-se de quem já foi.
Perfeitamente desenvolvida para ser só como todos. Do jeitinho que eles querem. Não durou muito tempo, contudo. A transformação veio antes da conformação ser inevitável. Podem dizer que só mudou de lado: continuará sendo do jeito que eles querem; não liga, escolheu assim, portanto. Sua essência foi profundamente abalada, tudo o que acreditava ser verdade incontestável passou a ser absolutamente inacreditável.
Constantemente ri-se ao recordar-se de como era. Também pudera, era tão tola.